Somando possibilidades

A compra de 30% da Beraca pela Clariant garante à empresa suíça acesso a um dos mais respeitados portfólio de ingredientes naturais e orgânicos do planeta. E a Beraca ganha acesso a tecnologias de ponta para levar o seu portfólio a novos patamares

 
Um dos principais motivadores para aquisições no mercado de beleza pelos chamados compradores estratégicos – empresas que já operam no setor – têm sido a oportunidade de ocupar os espaços ainda não preenchidos pelo portfólio atual das empresas. Isso também se aplica ao mercado de ingredientes e ativos para a indústria. Nos últimos anos, foram vários os casos de gigantes da área química que saíram à caça de concorrentes com atuação mais específica com a ideia de agregar soluções verdadeiramente complementares ao negócio.

Uma das líderes mundiais em especialidades químicas, a multinacional Suíça fez recentemente uma revisão na sua estratégia global para a área de cuidados pessoais. Neste processo, a empresa definiu a necessidade de buscar complementar o seu portfólio com a adição de ingredientes naturais e orgânicos, que tivessem um comprometimento com a sustentabilidade no processo de produção. Foi exatamente o movimento que norteou a Clariant na aquisição de uma parcela de 30% da divisão de saúde e personal care da fabricante brasileira de ativos e ingredientes Beraca. A transação, cujos valores não foram divulgados, está sujeita a aprovações dos órgãos reguladores. A participação acionária pode ser ampliada no futuro. “A Beraca surgiu como uma grande oportunidade por conta do seu portfólio de produtos da biodiversidade brasileira e também pelo alto grau de comprometimento com a sustentabilidade que a empresa demonstra”, explica Manlio Gallotti, diretor da unidade de negócios de especialidades químicas da Clariant para América Latina.

Em 2013, a empresa brasileira – que atua em outros setores, como tratamento de água e nutrição animal – faturou R$ 172 milhões. A estimativa é de que a divisão de Health & Personal Care, que passa a operar como uma empresa independente do restante do grupo, tenha respondido por cerca de 15% das vendas, o equivalente a R$ 25 milhões. Naquele ano, o crescimento da divisão foi de 38%.

Bom para um lado, bom para o outro
Para a Beraca, a oportunidade de se unir à gigante suíça também foi estratégica. A empresa estava em busca de parceiros que pudessem ampliar o seu acesso a novas tecnologias, além de ajudá-la na sua expansão para novos mercados internacionais.

A fabricante brasileira é uma das principais fornecedoras globais de ingredientes naturais e orgânicos certificados da biodiversidade brasileira para a indústria de beleza, conhecida e valorizada por clientes de todo o mundo como referência em desenvolvimento sustentável, num processo que começou 15 anos atrás, como uma opção de investimento no que a empresa julgava ser o seu negócio de maior valor. “Chegamos à Amazônia em 2000 e fizemos um investimento pesado no que chamamos de Programa de Valorização da Sociobiodiversidade, estabelecendo relações com as comunidades locais e com o meio ambiente. Como o movimento era bastante incipiente na época, tivemos de botar bastante recursos para ocupar a posição de liderança que temos hoje nessa área”, conta o presidente da Beraca, Ulisses Sabará. “Só entre 2000 e 2008, investimos mais de 15 milhões de dólares na região. Não dá para ir para a Amazônia de qualquer maneira. Alguns até tentaram, mas não conseguiram.”

Além dos investimentos, a empresa precisou lidar com desafios naturais de quem decide operar naquela região do Brasil, como a logística complicada e o treinamento da equipe. E isso sem falar no estabelecimento de processos, desenvolvimento de produtos e na sua validação dentro de padrões internacionais. Em 2008, a empresa ergueu uma nova fábrica no estado Pará, a partir do zero.
Hoje, a Beraca movimenta 105 núcleos de comunidades e 1.600 famílias apenas na Amazônia (a companhia também opera em outros biomas brasileiros) e tem seus produtos presentes nas formulações de grandes empresas globais do setor como: L´Oréal, Estée Lauder, Chanel e Shiseido, além das principais companhias brasileiras do setor.

Apesar do sucesso obtido por conta do trabalho com os naturais, Ulisses lembra que a Beraca sempre procurou o próximo passo na questão da tecnologia empregada, um caminho no qual o Brasil oferece restrições. Para suprir essa necessidade e avançar com o desenvolvimento de novos produtos, a empresa estabeleceu ao longo dos últimos anos relações com muitas entidades e universidades no País e também parcerias lá fora.

Mas a companhia também passou a avaliar outro caminho para atingir esse objetivo: o de usar a estrutura tecnológica de alguém já estabelecido. “Conversamos com alguns grupos, o nosso negócio tem um apelo: ele é bem chamativo. Apareceram muitos fundos de private equity interessados, mas a questão não era essa (de recursos), mas sim de utilizar as nossas forças e somá-las com alguém que pudesse agregar novas tecnologias e, também, ampliar a nossa atuação geográfica. Foi um movimento estratégico, estudado durante muito tempo e a Clariant não foi a nossa única opção, mas foi a melhor”, conta o presidente da Beraca. “Teremos um programa de cooperação tecnológico e por meio de cooperações das áreas técnicas e de desenvolvimento queremos oferecer produtos mais sofisticados e ampliar a presença da Beraca a nível mundial”, complementa Manlio, da Clariant. As empresas pretendem buscar as sinergias num curto espaço de tempo e iniciar um trabalho conjunto de P&D assim que as autorizações para a operação pelos órgãos reguladores forem concedidas.

Levando os naturais a um novo patamar
A vantagem do negócio para a área de P&D é que, com a ajuda do novo parceiro, a Beraca poderá encurtar caminhos já que simplesmente comprar tecnologias de fora consome, além de dinheiro, muito tempo. O acesso às tecnologias disponibilizadas pela Clariant, somadas ao próprio trabalho que a empresa já vinha realizando, vai ajudar a Beraca na busca por desenvolver uma nova geração de ativos naturais, levando-os a um grau mais alto de eficácia e tecnologia. Para Ulisses, as empresas que têm uma consciência socioambiental apreciam o que a fornecedora brasileira oferece hoje, tanto que muitas desenvolvem projetos conjuntos com a companhia em diferentes biomas. “Mas enxergamos um gap no que a gente pode fornecer. Além de toda a história verídica que a gente entrega junto com cada ativo, podemos abrir um pipeline novo de produtos que necessitam de tecnologia avançada”, acredita Ulisses.

Para ele, a empresa pode aproveitar as portas já abertas para oferecer aos clientes alternativas diferenciadas e tecnologicamente mais avançadas. “E aí sim temos um nicho muito interessante porque você complementa a linha. Queremos a Beraca como um forninho de inovações, apresentado produtos interessantes, histórias verídicas de ganho para a população e preservação do meio ambiente, e, ao mesmo tempo, extraindo o melhor que essas plantas podem oferecer (em termos de tecnologia e eficácia) e beneficiando todo mundo.”

Independentemente da parceria com a Clariant, a brasileira já tem um bom portfólio de novidades prontos para ir ao mercado e na dependência apenas da aprovação do novo marco regulatório da Biodiversidade. O projeto de lei aprovado na Câmara em fevereiro deste ano e que aguarda votação no Senado, simplifica as regras para pesquisa e exploração do patrimônio genético de plantas e animais nativos e para o uso dos conhecimentos indígenas ou tradicionais sobre eles. “Estamos totalmente alinhados com o que deve ser o acesso e a repartição de benefícios com a sociedade”, afirma Ulisses Sabará.

Ampliando o mapa mundi
Com vendas anuais de mais de seis bilhões dólares e 18 mil funcionários espalhados por todos os continentes, a Clariant oferece à Beraca oportunidades para crescer em novas fronteiras onde a presença dos produtos da empresa brasileira é limitada ou inexistente. Não que os negócios da empresa estejam restritos ao seu quintal. Pelo contrário, a Beraca mantém operações fortes nos Estados Unidos e na Europa. Mas os espaços para avançar ainda são muitos, tanto do ponto de vista geográfico, como na presença em novas contas globais. “Assim como outros players, temos forte presença em algumas contas globais muito grandes, mas em outras nem tanto,” acredita o presidente da Beraca, que espera aumentar a presença dos produtos da empresa em mais contas globais. Ulisses também espera que a parceria com a Clariant, ajude em regiões onde a companhia não é tão forte, mas são justamente aquelas com alto potencial de crescimento para o mercado de beleza nos próximos anos, especialmente a Ásia e também a África.

Apesar das muitas oportunidades, ao contrário do que vai acontecer na área de P&D, num primeiro momento as duas empresas pretendem operar no mercado da maneira mais independente possível. A rede de distribuição atual da Beraca, com 26 distribuidores para 40 países, a princípio não deve mudar. “Certamente temos oportunidades de expansão geográfica e de cooperação comercial por meio de distribuição mútuas. Mas ainda estamos detalhando, temos de nos conhecer melhor primeiro no Brasil,” revela Manlio.

Como as duas operações permanecem independentes, o papel da Clariant como acionista também será discreto. A empresa não vai ter nenhum envolvimento na operação comercial, mas vai tomar parte na governança da empresa, especialmente em áreas como Financeiro e Operações, o que segundo Ulisses vai ajudar bastante. “A Beraca se preparou para uma relação com empresas multinacionais, temos balanço auditado há tempos, mas é sempre uma ajuda que vem bem a calhar.”

Os sócios da Beraca seguem no comando do negócio, que deve ganhar uma nova dimensão em função dessas oportunidades. “Não conheço uma combinação tão poderosa de valores socioambientais com tecnologia de ponta. Temos um bom modelo para enfrentar o que o mercado vai buscar no futuro”, comemora Ulisses, que é corroborado pelo diretor da Clariant. “Queremos servir ao nosso cliente de maneira mais completa. Atender à demanda crescente do mercado de cosméticos por ativos e ingredientes naturais além dos produtos de performance. A Clariant vai se posicionar cada vez mais como uma líder para essa indústria”, conclui Manlio Gallotti.
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