Qualificação carente

Qualificação carente
Áreas dentro da indústria de embalagens para o mercado cosmético sofrem com a falta de mão de obra especializada. Encarecer produtos e inibir inovações, são somente algumas das consequências desta


É sempre preocupante pensar na relação desemprego versus falta de mão de obra especializada. Muitas vezes, chega a ser desesperador imaginar que há tanta gente sofrendo por não conseguir encontrar um trabalho, ao mesmo tempo em que setores penam por conta da escassez de profissionais que saibam lidar com maestria e eficiência em áreas específicas de atuação. A indústria de embalagem que atende ao mercado cosmético brasileiro é uma das vítimas deste “desencontro”. Independentemente de qual seja a indústria, o chamado “chão de fábrica” é composto por muitas pessoas com vasta experiência naquilo que fazem, adquirida com décadas de trabalho e aprimoramento. No entanto, formar novos trabalhadores como esses atualmente não é tarefa das mais simples por conta de diversos fatores. E isso complica ainda mais a reposição na hora em que estes profissionais saem de cena.

Uma das justificativas para tudo isso que acontece – e que não é nada animadora se pensarmos no futuro – é o momento vivido no País com relação à formação de jovens. Há ainda em atividade diversos cursos profissionalizantes voltados para a indústria, entretanto eles já não exercem mais uma forte atração para aqueles que iniciarão no mercado de trabalho. “Muitos dos profissionais reconhecidos que temos hoje em atuação passaram por escolas como o ETE´s e Senai, cursos de desenho técnico e modelamento de embalagens, tiveram vivência e aplicação destes conhecimentos no mundo prático. O fato é que este tipo de aprendizado está sendo cada vez mais sendo deixado de lado. Atualmente, a grande maioria dos jovens se dedica no ensino médio já mapeando o curso universitário. Não existe certo ou errado, porém este conhecimento oriundo de escolas profissionalizantes não está mais no radar dos jovens. A não ser que precisem de uma renda mais rapidamente, eles não querem mais iniciar suas carreiras nas fábricas, trabalhando em máquinas, empresas de usinagens ou similares”, ilustra Marcio Milton Correia de Souza (na foto abaixo), gerente da GTF (Gestão Técnica de Fornecedores) do Grupo Boticário.

Outros agravantes
Sentindo na pele há algum tempo este cenário, Jardel Saraiva, diretor Comercial da Globoplast, afirma que as empresas fornecedoras de embalagem acabam tendo de resolver esta questão “dentro de casa”. Segundo ele, como há falta de centros de formação para profissionais na área de embalagens, as indústrias formam seu próprio quadro por meio do know how de profissionais mais experientes. “Comparado com outros setores, esta área ainda é considerada um campo pouco explorado em termos de formação. Com isso, não há cultura de formação fora das empresas. A instituição que iniciar um bom curso na área de embalagens, vai abrir caminhos para um universo enorme de oportunidades”, sugere. “Até temos alguns cursos, inclusive em escolas de renome no País, porém ainda sinto falta de detalhes técnicos, e uma maior interação destes cursos com aulas práticas”, opina Sephora Manieri, consultora e responsável pelo desenvolvimento de negócios da Tauris Group. “Acredito que a falta de professores especializados, e com conhecimento técnico, pode ser um dos ‘gaps’, pois a procura para profissionais da área para serem professores, até onde sei, é grande”, completa.

Enquanto isso, Paulo Pereira, sócio-diretor da Prodesign, enxerga esta realidade da oferta versus demanda nesta indústria de uma outra maneira. Na visão dele, atualmente existem tanto profissionais especializados quanto empresas precisando destes profissionais, porém, uma situação não está coincidindo com a outra. “Isso acontece porque os profissionais mais jovens e preferidos pelas empresas estão bem empregados e não querem sair de onde estão. Os que estão disponíveis, embora tenham muito conhecimento e experiência, ou não se encaixam na especialidade ou já estão com idade considerada avançada pelas empresas, que na verdade não estão percebendo a grande contribuição que esses profissionais podem dar para seus negócios e acabam oferecendo salários baixos ou incompatíveis com a função”, relata.

Além disso, o dirigente acredita que a conjuntura econômica atual também está prejudicando bastante o mercado. Paulo ainda expõe uma outra questão a respeito dos jovens que estão buscando ingressar no mercado de trabalho. Ele diz que a falta de preparo dos profissionais mais novos também contribui para este cenário, já que esses jovens pensam bastante em subir na carreira de uma forma meteórica para alcançarem logo os cargos de chefia e, por conta disso, acabam não ficando muito tempo nas empresas, nem dando tempo de adquirirem experiência consistente. “Tenho notado e escutado muito isso dentro das empresas que atendo, que os profissionais não têm muito conhecimento dos negócios e nem experiência, ou seja, não têm background suficiente para solucionar os problemas que ocorrem periodicamente”, cita.

Áreas críticas
É evidente que, como foi dito, há segmentos dentro da indústria de embalagens que sofrem mais do que outras com esta falta de mão de obra especializada. Como estão envolvidos com este mercado, os profissionais consultados pela Packing Cosmética indicam quais os segmentos que mais vêm sendo atingidos por esta carência. A consultora Sephora crê que hoje haja poucos profissionais que conheçam vidro mais profundamente e, segundo ela, isso tem feito com que muitas empresas tenham de ir buscar opções na China. Ela aponta ainda que embalagens para a categoria de make up têm uma maior deficiência no Brasil. “Inclusive, vejo muita gente buscando a China como opção também, uma vez que nacionalmente não são bem atendidos. Quanto ao plástico, ainda acho que temos soluções nacionais bem aceitáveis, e celulósicos também”, emenda.

Além da indústria de vidro, Jardel adiciona a de bisnagas como uma das que passam sufoco com este cenário. Para o dirigente, isso ocorre porque o número de empresas nesses segmentos são menores e, com isso, a quantidade de profissionais especializados também é baixa. Quanto à busca de opções no país asiático ou em outros países, ele rechaça dizendo que o Brasil está muito bem estruturado na produção de embalagens para cosméticos, e isso se deve ao fato de o consumidor brasileiro ser muito exigente. “Sempre que viajo, comparo o que vejo nas gôndolas mundo afora com o que temos no Brasil, e a diferença é muito pequena, salvo uma ou outra tecnologia. Mas, no geral, o País está de igual pra igual com os países de primeiro mundo”, justifica o diretor Comercial da Globoplast.

De acordo com Paulo, da Prodesign, as áreas que mais sofrem são as que necessitam de experiência em sopro, injeção e embalagens assépticas, em que o número de profissionais experientes é bem menor que para as outras áreas. E a visão dele não é nada otimista quanto às opções disponibilizadas no mercado local. Segundo ele, embora as indústrias brasileiras tenham crescido muito e se modernizado constantemente, muitos itens ainda precisam ser buscados fora, por questão de preço ou tecnologia, principalmente para os itens mais complexos, como válvulas. “Um fator que também prejudica bastante o desenvolvimento no Brasil, é que em muitos casos ainda trabalham com pequenos volumes de produção, o que inviabiliza o investimento em moldes e máquinas para que se produza no Brasil”, lamenta.

Para Marcio, do Grupo Boticário, quando são abordados os temas: moldes, processos produtivos, tipos de processos – como Injeção, Sopro, Extrusão, entre outros – fica nítido o déficit existente no mercado de profissionais especialistas em embalagens. “Muitos profissionais graduados nos cursos de engenharia estão indo para o mercado sem nenhuma experiência em processo e na indústria, porém com conhecimento nos diversos substratos (vidro, metal e polímeros). É óbvio que este conhecimento é muito importante, mas a vivência na indústria traz na prática a aplicação e processabilidade. Este conhecimento é aprendido somente na indústria e é o que está faltando”, situa. O gerente explica que em todos os substratos citados há uma grande dependência de processos controlados e eficientes, para qual é necessário vivência prática e aperfeiçoamento que é conseguido ao longo de anos de indústria.

Impactos no mercado
Além de fazer com que as companhias da indústria cosmética brasileira tenham de ir para fora por não achar soluções em embalagem desejadas no mercado local, há ainda outras consequências devido a esta dificuldade de encontrar profissionais especializados. A conclusão tirada por Sephora Manieri é que, com esta realidade, o mercado cosmético acaba ficando sem opção de inovações. “E quando inovamos, pagamos um preço bem alto por isso”, diz.

Este impacto indicado pela especialista da Tauris Group também é citado por Paulo Pereira, da Prodesign. “Tudo isso acaba inflacionando o mercado e dificultando a viabilização para o lançamento de certos produtos, pois o custo inadequado acaba inviabilizando a produção do item. Somente produtos de alto valor agregado conseguem pagar um item de custo maior, ou então, quando os grandes volumes de compra contribuem para baixar o preço, viabilizando assim o lançamento do produto”, observa. Apesar de ter indicado diversas áreas que sofrem com a falta de mão de obra qualificada, Marcio acredita que, a curto prazo, ainda estamos bem supridos por profissionais. Porém, o futuro pode ser preocupante. “A médio e longo prazo, poderemos perceber um aumento de ‘Não Qualidade’. Desta forma, serão necessários maiores controles e análises de qualidade”, conclui o gerente do Grupo Boticário.

Formação e reposição
Se a quantidade de profissionais especializados servindo à indústria de embalagens que é voltada para o mercado cosmético está escassa, cuidar da formação de novos talentos e da reposição daqueles mais antigos deveria ser algo imprescindível, certo? Isso é óbvio para todos na teoria, porém, na prática, não tem sido tão fácil assim. A formação/reposição – chamada de backup – já feita em algumas empresas, como a Globoplast, é o caminho. Mas, para Sephora, a figura dos profissionais mais experientes poderia ser um pouco mais explorada para este fim. “Estes profissionais que envelheceram para as empresas poderiam ser utilizados como consultores, ou ainda, quando gostem, passar a ensinar nas escolas existentes hoje”, sugere a consultora.

Marcio ressalta que a indústria não pode, de forma alguma, abrir mão desta figura do profissional mais velho. “Empresas que já perceberam este fenômeno e dependência desta figura formam seus profissionais internamente usando o conhecimento dos mais experientes. Esta é a sacada para diminuir a dependência de formação técnica”, destaca. Ainda assim, o gerente da GTF do Grupo Boticário reconhece que, por maior boa vontade que tenha, este profissional mais experiente não consegue transferir todo seu conhecimento. “Repor este conhecimento é praticamente impossível. Considerando isso, é mais do que necessário fazer um plano de acompanhamento muito próximo do profissional que assumirá a função, de preferência, que seja mais até do que um profissional absorvendo este conhecimento”, informa Marcio, que ainda dá a receita para que melhore esta escassez: “Tenho discutido caminhos com algumas universidades, dentre eles um que me parece coerente é aproximar os cursos universitários da indústria. Fazer com que o jovem, além do conhecimento teórico, também tenha experiência de fábrica, e que o mesmo volte para os seus docentes e desdobrem isto com maior profundidade.”

Por fim, Paulo Pereira não considera difícil o processo de reposição de profissionais na indústria. Para o especialista, o que acontece é que ele não é feito de maneira correta. “É preciso programar uma transição e passagem de conhecimento, experiência e histórico do profissional velho de empresa para os iniciantes ou menos experientes, propiciando a manutenção da qualidade e robustez do serviço prestado pelo profissional à empresa, de uma forma menos traumática e com uma curva de aprendizado bem menor”, pontua. “Ainda acredito que uma boa comunicação e bom relacionamento são fundamentais para esse começo, não dispensando logicamente a disseminação constante dos conhecimentos adquiridos, a busca eterna pela melhoria e novas tecnologias, aliadas ao equilíbrio e união dos mais velhos e experiente profissionais com os mais novos e menos experientes”, finaliza o sócio-diretor da Prodesign.

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