Moléculas olfativas: Assinatura singular

Moléculas olfativas: Assinatura singular

Na incessante jornada em busca de exclusividade e diferenciação dentro da Perfumaria, as moléculas olfativas são um trunfo para as casas de fragrâncias. E sua exploração pode ser ainda mais direcionada



A disputa é para lá de acirrada. Em um mercado concorrido e glamouroso como é o de fragrâncias, é imprescindível para as casas buscarem fatores que permitam diferenciar suas criações umas das outras. Nesse processo, as moléculas olfativas exercem uma função-chave. Quem pesquisa, desenvolve e fornece essas moléculas, as grandes casas de fragrâncias e empresas de matérias-primas, sabe da importância desses ingredientes para o resultado final de uma criação perfumística. “Se você olhar toda a evolução da perfumaria, sempre tem um ingrediente por trás das grandes rupturas. Nunca se usou tanto aldeído c11 na perfumaria quanto no lançamento de Chanel nº5. Nunca se usou a quantidade de hidromicenol como foi usado no Cool Water, de Davidoff, e posso te dar uma lista grande de lançamentos revolucionários. Os perfumes que quebraram paradigmas e romperam às regras têm sempre um ingrediente por trás. Isso é um fato”, explica Ricardo Omori, recém-nomeado vice-presidente global de Fine Fragrances da casa de fragrâncias alemã Symrise.

Os fornecedores investem alto para dar aos perfumistas novas possibilidades olfativas com a adição de moléculas diferenciadas à paleta. No caso das casas de fragrâncias que também mantêm suas próprias linhas de ingredientes para fragrâncias, apesar de elas atenderem a todo o mercado com as suas criações, a maior parte dos esforços está centrada no desenvolvimento de moléculas que serão utilizadas exclusivamente pelos perfumistas da casa. São as chamadas moléculas captivas (ou cativas), que podem garantir à fragrância uma identidade única e exclusiva, sem poder ser copiada. Num ambiente ultracompetitivo, conseguir agregar à criação cheiros que nenhum outro concorrente pode, se torna um diferencial competitivo e tanto. “Ninguém vai conseguir chegar nisso. Mesmo que uma casa de perfumaria tente copiar a criação de outra, ela nunca vai chegar neste ponto, justamente porque aquela composição tem um elemento que só você tem”, diz Milena Siqueira, da casa de fragrâncias francesa Mane.

Estes ingredientes, que podem ser moléculas sintéticas, mas também ingredientes de origem natural, têm toda a capacidade para fazer uma grande diferença numa composição final e, em alguma medida, garantir a fidelidade do consumidor. Afinal, ainda que não tenham o mesmo nível de conhecimento dos profissionais da área, o consumidor percebe a diferença quando alguém tanta copiar ou, mesmo, quando por algum motivo é preciso trocar um dos componentes da fórmula da fragrância. E não vai ficar nunca igual sem aquele ingrediente. “É possível diferenciar sua fragrância dos concorrentes e dificultar a cópia dela, deixando o cliente mais seguro”, considera Cesar Mussi, perfumista da brasileira Citratus. Pode ser algo aparentemente básico, como um limão, mas na composição, o uso de um limão exclusivo faz toda a diferença. Além do aspecto olfativo, muitas moléculas também têm a função de garantir uma melhor performance técnica para a composição.

NADA BARATO
O desenvolvimento de uma nova molécula olfativa, ou de um novo natural, demanda muito tempo, pesquisa e recursos financeiros. O investimento é alto, por isso, poucas novas moléculas são apresentas a cada ano. “Para chegarmos a um ingrediente que entregue performance efetiva e um hedônico único, uma variedade de novas moléculas de grupos químicos distintos é sintetizada, passando por uma varredura de testes referentes não só à performance olfativa, mas também de viabilidade técnica, processo de produção, custo, sustentabilidade, regulatório, etc”, revela Jayr Farias, diretor de Pesquisa Aplicada em Fragrâncias da Symrise.
Segundo Eliane Bonani, diretora de Desenvolvimento de Fragrâncias da suíça Firmenich, o processo de desenvolvimento de uma nova molécula é um trabalho minucioso, que passa por inúmeros filtros até chegar aos narizes dos mestres-perfumistas da companhia. “Uma vez aprovados olfativamente, há todo um longo processo de patente e segurança, rigorosamente seguido. Por isso, o trabalho é contínuo”, assegura ela.

O investimento para obter moléculas captivas é tamanho, que é inviável para uma casa de fragrâncias poder oferecer este ingrediente exclusivo dela para um único cliente. Até existem casos assim, com exclusividades no uso para uma determinada região, ou por um determinado período de tempo, mas definitivamente, mesmo no caso dos maiores clientes da perfumaria mundial, casos como esse são exceções. “Se um cliente dissesse que usaria isso em todas as criações, ok. Mas em uma só... Não existe ainda este tipo de parceria. Os clientes exigem o diferencial e é por isso que você investe tanto em novas moléculas e em captivos. Tem coisa que criamos e vendemos para as outras casas também. Agora, criar e manter aquele ingrediente exclusivamente na sua paleta, tem de poder, porque o investimento é alto”, pondera Milena, da Mane.

Maior fornecedora de ingredientes para o mercado de fragrâncias que não é também uma casa de fragrâncias, a alemã Basf vem atuado tanto com os grandes players do mercado quanto com as casas de fragrâncias locais. Estes últimos, na visão da companhia, têm evoluído em seu trabalho de um modo geral, até mesmo com fragrâncias finas. Para Joana Yamazaki, gerente de Aromas e Fragrâncias da Basf, o principal intuito da empresa neste caso é ajudar às casas locais com um pacote de serviços. Quando o volume é muito pequeno, fica inviável desenvolver uma molécula específica para cada cliente. “Buscamos orientar os nossos clientes em como conseguir trabalhar com as nossas moléculas em combinação com outros ingredientes que ele possa ter, para conseguir garantir que ele diferencie a sua criação”, fala. Além do suporte criativo, a empresa oferece todo o suporte regulatório para garantir que o material consiga atender a todas as expectativas que se possa ter nesse sentido.

A casa suíça Givaudan, conta com dois centros dedicados ao desenvolvimento de novas moléculas e tecnologia de ingredientes, em Dübendorf (Suíça) e outro em Shanghai (China), além de manter uma equipe de 50 cientistas. “Cada nova molécula leva de três a seis anos para ser desenvolvida, sendo que apenas uma entre duas mil chega realmente à paleta dos perfumistas, para ser usada em novas criações. É sem dúvida um investimento alto, mas que realmente traz um diferencial para a nossa indústria”, crê a perfumista Sandra Casagrande Polozzi, da Givaudan. “O fato de ter estes ingredientes captivos em composição, faz com que o perfume seja exclusivo e no meu ponto de vista, esta ‘exclusividade’ poderia ser melhor explorada mostrando quão ‘único’ o produto se torna contendo estas ‘raridades’. Algumas moléculas entregam muito mais força e qualidade, fazendo com que determinadas construções olfativas sejam enaltecidas, e podendo influenciar em maior duração na pele ou cheiros inovadores”, emenda a criadora.

PROPAGANDO DIFERENCIAÇÃO
Quem usa um perfume nem imagina o tanto de trabalho e pesquisa que foi necessário para que ele pudesse cheirar aquele produto cuja fragrância tanto o agrada. E as marcas também nunca tiveram muita disposição ou interesse em explorar esses aspectos. Mas, tudo indica que esta realidade está mudando. Na era do storytelling, muitas marcas estão enxergando na história que existe por trás de cada molécula ou ingrediente natural exclusivo, uma fonte riquíssima de inspiração. Seja por uma rosa cultivada no espaço, com gravidade zero; ou por um novo ingrediente das florestas de África, que trazem junto todo um ritual e uma cultura ancestral, os ingredientes aromáticos têm ganhado destaque na comunicação dos produtos.

Os consumidores de hoje, especialmente os mais jovens, querem ter essa conexão, saber das origens e das histórias por trás do produto que usam, e saber que o perfume tem uma nota com uma história fantástica, tem servido para destacar uma criação frente a outras em um mercado global de perfumaria que anda saturado por tantos produtos parecidos. “A perfumaria encanta em todos os sentidos, seja na percepção de luxo de um frasco, na propaganda sofisticada ou na essência cativante. A história sobre os ingredientes que compõem a fragrância tem muito a acrescentar neste envolvimento do consumidor com a Perfumaria, elevando o elo emocional com o produto. Falar de sua origem ou dos métodos de extração vão, pouco a pouco, gerando maior familiarização com os ingredientes e o vocabulário desse setor. Trata-se de um verdadeiro passaporte a novas experiências sensoriais, agregando ainda mais valorização à Arte dos Perfumes”, aposta Eliane, da Firmenich.

Naturalmente, todo esse processo passa pela mão do cliente, que é o dono da marca e quem vai tratar a comunicação do produto e de tudo o que está por trás dele. Mas, sem dúvida que do ponto de vista perfumístico, tem algo muito interessante em trabalhar o ingrediente. Um bom exemplo de perfume que coloca o ingrediente no centro de todo o desenvolvimento do produto é a linha Esta Flor, da Natura. “É um caso clássico. Se você pegar a quantidade de rosa ou de íris que tem nos perfumes, é algo fora da média normal, mesmo em patamares globais. É um caso interessante, uma fragrância que tem um ingrediente na cara, e no caso da rosa de forma nada óbvia, já que esta nunca foi uma família das mais queridas entre os brasileiros”, pontua Ricardo, da Symrise.

Particularmente no Brasil, algumas marcas de perfumaria também têm recorrido ao uso dos ingredientes como forma de valorizar diferenciais funcionais, especialmente no que diz respeito ao lasting (popularmente conhecido como fixação). “Pode ser usada como apelo nos produtos finais dos nossos clientes. Normalmente, esse tipo de material tem um benefício muito claro, como por exemplo, captura de mal odor, e explorar isso junto ao consumidor final pode resultar em melhor performance de vendas”, exemplifica Michael Rentel, gerente de Marketing da Citratus.

Para Joana, da Basf, as casas de fragrâncias aproveitam bem o apelo de explorar as histórias que existem por trás de uma molécula, como uma ferramenta mercadológica. Segundo a executiva, as casas conseguem capturar como maximizar essas experiências e adequá-las para cada tipo de consumidor. “Então aí o foco principal tem de ser como explorar a experiência sensorial por trás da história e vendê-la para que cada cliente trate isso como um diferencial para si. A história na perfumaria tem várias vertentes e acho que as casas já exploram muito bem este potencial. Os clientes das nossas casas de fragrância, que seriam as fabricantes de perfumes e cosméticos, também fazem muito bem este papel. Elas têm conseguido fazer essa diferenciação, de linkar essa história e promover o emocional de cada um dos clientes, e fazer com que essa história de alguma maneira seja ligada com alguma que você tenha tido, uma experiência”, observa ela, exaltando que esta é a melhor maneira de se conseguir tirar mais de um produto que está sendo desenvolvido, devido ao grande número de opções no mercado.

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