Presidente global da operação de ingredientes cosméticos e
Chairman do Comitê Regional de Gestão Latam da Symrise, Eder Ramos
assumiu como missão pessoal encarar a questão da diversidade racial no
mercado
O executivo brasileiro Eder Leopoldo Ramos sempre se orgulhou da forma como construiu sua carreira.Eder entrou na casa de fragrâncias alemã Haarman&Reimer como vendedor junior, chegou à área comercial (o fundador de Atualidade Cosmética, José Luiz de Paula Jr., então um jovem designer, foi um dos primeiros clientes visitados), aprendeu a falar alemão com muito esforço e chegou à liderança comercial da empresa no Brasil, até ser transferido para a Europa. Após a fusão com a Dragoco (que deu origem à Symrise), Eder assumiu a vice-presidência de fragrâncias para Europa, voltou para a América Latina como presidente de Scent & Care para a região e, desde 2013 é o presidente global da área de Ingredientes Cosméticos da companhia alemã, posição que toca a partir do seu escritório na sede do Centro Criativo da Symrise, em Cotia, na Grande São Paulo.
Com mais individualidade e a chegada de novas gerações ao mercado de consumo, a diversidade tem sido um driver importante nas discussões sobre estratégias de negócios e mesmo de futuro nas empresas. É isso que levou a Symrise a formalizar o seu programa?
E
a questão étnico-racial? Esse costuma ser o pilar mais crítico para as
empresas enfrentarem no mercado brasileiro. Como vocês estão enfrentando
essa questão?
Dois anos atrás, participei de uma palestra sobre diversidade e o que me pegou muito foi a questão racial. Fiquei muito incomodado com o que eu escutei nessa palestra e, sinceramente, entendi que deveria me dedicar a esse aspecto. Sei que estou numa idade que já leva a minha carreira para uma conclusão e quero deixar um legado para a empresa, para o mercado. E o meu legado vai ser na área de diversidade. O oceano é feito de gotas e eu vou colocar a minha gota neste oceano. Estou trabalhando fortemente nisso aqui, é um projeto local que eu assumi integralmente.
Em que pé está o programa hoje?
Em relação ao público LGBT+, os desafios são de outra natureza, mais simples do que a questão étnico-racial?
A questão racial, aqui no Brasil principalmente, é mais complexa...
Esse trabalho com o RH, como é que vocês estão fazendo? Vocês já eliminam algumas informações que podem indicar viés?
É uma causa?
Muito provavelmente nos níveis mais baixos da organização.
No programa da Symrise, vocês estabeleceram cotas?
Existem discussões entre especialistas em
diversidade, dizendo que as cotas embutem o risco de se criar uma elite
dentro daquele grupo. Ao mesmo tempo, elas ajudam a estabelecer
referências para as outras pessoas. Como você encara isso?
Mas, num período que a escola pública era restrita a um terço da população?
Sim. E, ainda assim, eu sou privilegiado. Eu vim entender, compreender isso depois. Porque eu bato muito no peito que eu venho de baixo, cheguei aonde cheguei porque lutei, comecei a trabalhar muito cedo. Pensava que o cara tem que fazer a mesma coisa que eu fiz. Mas eu sou privilegiado, essa é a verdade. E o sou simplesmente por ser branco. Provavelmente, se fosse negro, não teria essa condição mesmo vindo da escola pública, numa época em que escola pública era muito melhor do que hoje. É um fato que não se discutia, mas que, finalmente, estamos trazendo para os holofotes agora.
O executivo brasileiro Eder Leopoldo Ramos sempre se orgulhou da forma como construiu sua carreira.Eder entrou na casa de fragrâncias alemã Haarman&Reimer como vendedor junior, chegou à área comercial (o fundador de Atualidade Cosmética, José Luiz de Paula Jr., então um jovem designer, foi um dos primeiros clientes visitados), aprendeu a falar alemão com muito esforço e chegou à liderança comercial da empresa no Brasil, até ser transferido para a Europa. Após a fusão com a Dragoco (que deu origem à Symrise), Eder assumiu a vice-presidência de fragrâncias para Europa, voltou para a América Latina como presidente de Scent & Care para a região e, desde 2013 é o presidente global da área de Ingredientes Cosméticos da companhia alemã, posição que toca a partir do seu escritório na sede do Centro Criativo da Symrise, em Cotia, na Grande São Paulo.
O
avanço obtido por méritos próprios o levou a crer que, assim como no
seu caso, o esforço e o trabalho seriam capaz de levar qualquer pessoa a
atingir cargos mais altos na carreira. Hoje, do alto da sua posição,
ele reconhece que a realidade não é bem essa. E, foi o incomodo gerado
com a falta de diversidade racial nas empresas que o levou a criar e
assumir a implementação da política de diversidade da Symrise no Brasil,
dando ênfase para a questão étnico-racial. "Tenho consciência de que
estou chegando num ponto da vida profissional e que não terei muitos
anos à frente do negócio, por isso quero deixar um legado e enxergo
nessa questão um ponto que realmente precisa ser transformado", diz o
executivo.
Em entrevista à Atualidade Cosmética, Eder falou da sua visão de diversidade e do andamento do programa na Symrise.
Com mais individualidade e a chegada de novas gerações ao mercado de consumo, a diversidade tem sido um driver importante nas discussões sobre estratégias de negócios e mesmo de futuro nas empresas. É isso que levou a Symrise a formalizar o seu programa?
A diversidade
está intrinsicamente ligada a nossa estratégia global de
desenvolvimento. Ela tem guiado a estratégia de foco no consumidor que
adotamos na Symrise Cosmetic Ingredients. Por isso, temos uma série de
desenvolvimentos que são pensadas para atender necessidade de grupos
específicos, que estão ligados às questões de raça, porque isso envolve
também a fisiologia da pele e dos cabelos das pessoas, e é aí que os
nossos ativos vão atuar; mas também por aspectos culturais, como
alimentação ou religião, porque isso também acaba impactando na maneira
como os consumidores usam produtos, e também, na estrutura da pele e dos
cabelos. Tenho que pensar em ativos que atendam consumidoras que, por
motivos de religião, passam o dia com os cabelos cobertos por véu; ao
mesmo tempo, no Japão, por conta da alimentação, a dinâmica de uso de
desodorantes é completamente diferente da do resto do mundo. Isso tudo é
parte desse novo contexto de diversidade que nós temos, de forma
mandatória, que entender e atender. Mas o nosso programa de diversidade
no Brasil não tem isso como objetivo principal. Não estamos fazendo isso
olhando para o mercado. É realmente uma iniciativa para, de alguma
forma, fazer a nossa parte para ajudar a corrigir injustiças históricas,
no Brasil, em especial, a questão étnico-racial.
A
agenda de gênero, em especial da questão da mulher, vem sendo tocada há
mais tempo pelas empresas. Ela está bem resolvida na Symrise Brasil?
Hoje,
todo mundo fala em diversidade e, eu não tenho dúvidas que ela
contribui para os bons resultados nos negócios. Isso está provado
estatisticamente. É só ver as últimas análises da McKinsey, que mostram
que onde você tem mulheres no topo, onde você tem mais diversidade você
tem um melhor resultado. E, em termos de mulheres, nós estamos bem
representados no topo da organização. E, mesmo situações ainda comuns no
mercado de trabalho, no qual mulheres e homens tem divergência
salarial, sinceramente, não é o caso aqui na Symrise. Claro que tem que
acertar algumas coisinhas, mas olhando para as pesquisas que realizamos
nas nossas unidades nós temos as mulheres no topo e no meio do
organograma. Elas estão trafegando na hierarquia. Ao andar no centro
criativo, você vai ver que o percentual de mulheres trabalhando é
superior ao de homens inclusive. Onde temos problemas? Na fábrica.
Apesar de a Diretora de Operações ser mulher, você não vai ver muitas
mulheres trabalhando na fábrica, aí vem o preconceito de que a mulher
não consegue trabalhar na produção. É um ponto que vamos trabalhar.
Dois anos atrás, participei de uma palestra sobre diversidade e o que me pegou muito foi a questão racial. Fiquei muito incomodado com o que eu escutei nessa palestra e, sinceramente, entendi que deveria me dedicar a esse aspecto. Sei que estou numa idade que já leva a minha carreira para uma conclusão e quero deixar um legado para a empresa, para o mercado. E o meu legado vai ser na área de diversidade. O oceano é feito de gotas e eu vou colocar a minha gota neste oceano. Estou trabalhando fortemente nisso aqui, é um projeto local que eu assumi integralmente.
Você ocupa uma posição global, mas esse programa é focado no Brasil. Porque não liderar esse projeto globalmente?
Se
eu participo de um projeto global, as dificuldades seriam muito maiores
e provavelmente demoraria muito mais tempo para começar a ver
resultados. Então eu decidi implementar o programa de diversidade do
Brasil, que engloba as questões étnico-racial, mulheres, LGBT+ e pessoas
com deficiências. Também estou tentando enquadrar nesse projeto os
refugiados e os egressos do sistema prisional. Mas isso ainda é
embrionário. Nos outros grupos, já estamos adiantados.
Realizamos
uma pesquisa interna para avaliar e entender como a organização enxerga
e encara tudo isso. Agora, numa segunda etapa, estamos realizando
reuniões e workshops com as lideranças da empresa para preparar a
implementação no programa. A pesquisa nos mostra que o time fala muito
em respeito. Mas quero sair do campo só do respeito para tratar da
valorização da diversidade. Eu estou nesse processo agora, é uma jornada
que está começando.
Para
o público LGBTQIA+, eu diria que trabalhar num ambiente não propício,
ou que não o aceite como ele é deve ser muito difícil. Ver o risco de
não conseguir progredir na carreira em vista, do preconceito em relação a
sua orientação sexual na organização. É preciso criar um ambiente que
valorize as diferenças e que proporcione segurança psicológica para que o
grupo LGBTQIA+ possa se expressar em sua totalidade. A nossa
organização valoriza e tem pessoas declaradas em posição de Senioridade.
Eu tenho na Symrise Brasil o único Master Perfumer na América Latina, o
Joachim Correll e ele é declaradamente LGBTQIA+. Ele está me ajudando
muito nessa questão de inclusão, de reconhecimento e possibilidades de
crescimento dentro da empresa. Não é que é mais fácil, diria que é
menos difícil.
É
uma questão muito complicada e é o ponto com o qual estou mais
engajado. Falo isso abertamente dentro da empresa. Reconheço a urgência
da questão de gênero, da comunidade LGBTIA+ e da questão das pessoas com
deficiência. As reinvindicações por igualdade e equidade de todos
grupos de diversidade precisam ser reconhecidas e transformadas em
prática. Mas, de novo, a questão étnico-racial é algo que me deixa
incomodado. Eu participei de uma palestra da Liliane Rocha, da
consultoria Gestão Kairós, que está nos apoiando neste projeto
inclusive. 54% da população Brasileira é formada por negros (pardos ou
pretos). Eu tenho 3% de pretos na organização e 17% de pardos. Quando
se olha para a organização, você vê que tem alguma coisa errada. Eu
quero e vou fazer a minha parte. Vou trabalhar no sentido da inclusão e a
primeira mudança tem que vir de dentro da organização. A segunda tem
que vir do setor de Recursos Humanos. Nós temos que saber recrutar para
poder incluir essas pessoas. Não posso contratar olhando para um
caucasiano que estudou nas melhores escolas de São Paulo, que fez a
universidade na FGV ou na USP e usar os mesmos critérios para com uma
pessoa negra, que mora na periferia - o que não é demérito, eu venho da
periferia, para deixar claro -, mas que estudou em escola pública nos
dias de hoje e depois fez uma universidade menos prestigiada que as
citadas anteriormente, que não teve oportunidade de estudar inglês, que
não teve possibilidade de morar fora... São os primeiros paradigmas que
nós estamos quebrando, buscando viabilizar o acesso a esta população,
para que elas tenham condições de serem incluídas.
Eu
acho que aqui tem de haver transparência total. Hoje, o nosso processo,
já estamos fazendo de forma que devemos fazer? Não. Estamos no início
das coisas. Mas sabemos onde nós queremos chegar. Num período curto de
tempo, queremos recrutar sem olhar o endereço, sem olhar o gênero e sem
olhar a idade no perfil dos candidatos(as). Essa é a nossa intenção.
Realmente avaliar o perfil por outro ponto de vista e depois iniciar o
processo. Estive com uma pessoa da Paraisópolis que me disse o seguinte:
"Lá atrás, para procurar um emprego, nós falávamos que morávamos no
Morumbi, não falávamos que morávamos na Paraisópolis. Porque quando eu
dava o meu endereço e dizia que morava em Paraisópolis automaticamente
estava eliminado. Quando falava que morava no Morumbi eu não estava
eliminado". Precisamos eliminar todas essas barreiras, essas "travas" -
acho que a palavra correta -, e, de alguma forma, ajudar a consertar
isso. Acho que a sociedade deve isso. E acho que você tem que ser
antirracista. Não ser racista não é mais suficiente. Essa é a minha
opinião e realmente embarquei de corpo e alma nisso.
Eu quero deixar um legado e me incomoda saber que só tem 20% de negros trabalhando aqui.
Sim,
em sua maioria. Atualmente apenas 4% dos cargos de nível gerencial são
ocupados por pessoas negras. E isso está mal, não está correto. Aí vem a
questão da contratação. Mas, sinceramente, não estou preocupado com a
questão de contratação agora, e nem acho que a gente deve mudar isso de
uma forma radical de imediato. Isso tem que ser feito de uma forma
sustentável, para que a organização entenda isso e, nesse ponto, acho
que o mais importante agora é reconhecer os talentos internos. E dar a
esses talentos a oportunidade de realmente crescerem dentro da empresa.
Isso é para mim o mais importante hoje.
É
difícil a gente estabelecer uma cota. Mas, acredito numa cota moral. Se
54% da população declarada negra, por que mais de 75% do nosso quadro
de colaboradores é de pessoas brancas? Qual é a razão disso? O que está
acontecendo? E, apesar de não termos, devo lhe dizer que sou a favor das
cotas.
É
interessante. Alguns anos atrás, quando apareceram as discussões sobre
cotas na universidade, sou muito honesto em dizer que eu era contra, não
achava correto, era a coisa da meritocracia. Eu venho da periferia, eu
venho de escola pública...
Sim. E, ainda assim, eu sou privilegiado. Eu vim entender, compreender isso depois. Porque eu bato muito no peito que eu venho de baixo, cheguei aonde cheguei porque lutei, comecei a trabalhar muito cedo. Pensava que o cara tem que fazer a mesma coisa que eu fiz. Mas eu sou privilegiado, essa é a verdade. E o sou simplesmente por ser branco. Provavelmente, se fosse negro, não teria essa condição mesmo vindo da escola pública, numa época em que escola pública era muito melhor do que hoje. É um fato que não se discutia, mas que, finalmente, estamos trazendo para os holofotes agora.