As novas fronteiras do mercado de beleza

Mesmo com os BRICs ainda concentrando a maior parte dos investimentos, um novo grupo de países emergentes começa a se destacar pelos seus altos níveis de crescimento. Para a Euromonitor, eles são as “novas fronteiras” da beleza

O movimento é até anterior, mas, a partir da crise financeira de 2008, aumentar a performance e a participação dos mercados emergentes nas vendas virou a prioridade número 1 de quase todos os grandes grupos globais do mercado de beleza.

E não foi para menos. Os países tidos como desenvolvidos ainda representam a maior fatia do mercado global de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, com vendas de US$ 226 bilhões em 2011. Só que os mercados emergentes – que, hoje, já somam US$ 177 bilhões em vendas anuais de produtos de beleza – acumularam no período entre 2008 e 2011 um nível de crescimento dez vezes superior ao de seus colegas do “Primeiro Mundo”, de acordo com os dados da consultoria Euromonitor. Traduzindo em números, nos últimos quatro anos, enquanto os países desenvolvidos agregaram US$ 7 bilhões em vendas ao mercado global de beleza, os emergentes somaram US$ 46 bilhões.

Os motivos para essa discrepância no período já são mais do que conhecidos. Enquanto os consumidores dos Estados Unidos, Europa e Japão tiveram que frear o consumo – com impacto inclusive sobre a indústria de beleza, até então tida como imune a crises –, brasileiros, chineses, indianos e outros povos do antigo Terceiro Mundo viram sua renda subir, com o ingresso crescente e contínuo de um contingente de novos consumidores rumo à classe média, mesmo após a crise.

Oportunidades gigantes, desafios idem
Entramos na fase da “nova classe média emergente”. Ainda menos abastada do que a classe média tradicional do mundo desenvolvido – mas muito mais numerosa –, ela também se diferencia pela vontade reprimida por décadas de consumir de seus componentes que, é claro, faz brilhar os olhos dos CEOs de todas as principais corporações de beleza do planeta.  Como gosta de frisar em suas apresentações um dos mais poderosos entre eles, Jean Paul Agon, da L’Oréal, hoje os emergentes representam 50% do mercado, mas congregam 85% da população mundial. Entre 2000 e 2011, a participação dos emergentes no faturamento do grupo francês dobrou de 18,1% para 36,2%.

As oportunidades são imensas. Tanto que as três maiores fabricantes de produtos de higiene e beleza –  L’Oréal, P&G e Unilever  – , almejam conquistar nos próximos anos um bilhão de novos consumidores cada um. E essa meta está quase que totalmente baseada nos moradores dos países emergentes, que ainda não consomem os produtos de suas respectivas marcas. 

Mas além dos BRICs – Brasil, Rússia, Índia e China –, que até aqui foi o maior centro de atenções dos grupos globais, uma nova gama de países começa a despontar no mercado, graças aos seus elevados níveis de crescimento. Para a Euromonitor, um grupo de nove novos mercados emergentes representa a próxima fronteira da beleza. Trata-se de mercados com escalas muito diferentes. Combinados, os BRICs responderam sozinhos por 54% do crescimento agregado dos emergentes. Suas vendas totalizaram quase US$ 95 bilhões, e turbinados por China e Índia concentram um terço da população global.

Os mercados das novas fronteiras não têm essa magnitude. As vendas no México, o maior do novo grupo, somaram US$ 10 bilhões em 2011. Mas, em termos percentuais, alguns desses países já alcançam taxas de crescimento médias superiores às de alguns BRICs, um indicador importante para a definição de investimentos, principalmente quando os mercados mais tradicionais não oferecem mais espaço para as grandes empresas crescerem a taxas elevadas.
Do ponto de vista do contingente populacional, China e Índia são imbatíveis com seus mais de um bilhão de habitantes cada. O potencial justifica, por exemplo, os pesados investimentos que os grandes grupos estão realizando no país do Taj Mahal, mesmo que o mercado de beleza local seja menor que o mexicano, por exemplo. Em 2011 as vendas na Índia foram de US$ 8,5 bilhões, com previsão de chegarem a US$ 11,5 bilhões em 2015, número bem próximo do previsto para os nossos hermanos do norte no mesmo período.

Os próximos nove novos mercados emergentes devem agregar mais de U$ 8 bilhões de crescimento em valores absolutos, no período entre 2010 e 2015. Para a Euromonitor, esse resultado será puxado pelo México, Irã, Tailândia e Indonésia. Todos eles com previsão de agregar mais de US$ 1 bilhão cada no período.
Se do ponto de vista dos números dos mercados, a distância entre os dois grupos é gigantesca, os desafios para entender os anseios e hábitos dos consumidores desses países é tão grande quanto. Assim como os BRICs, os mercados das novas fronteiras representam um grupo totalmente heterogêneo, com apenas algumas afinidades culturais entre eles. Em outras palavras, trata-se de um verdadeiro “saco de gatos”.

Como são mercados com resultados muito menores, trabalhar de maneira totalmente regionalizada torna-se um desafio maior ainda do que os enfrentados pelos grandes grupos norte-americanos e europeus em grandes mercados como Brasil e China, e pelo tamanho da sua população, a Índia, que demandam grandes investimentos em estrutura e P&D específicos, por exemplo, mas que têm potencial para pagar esses investimentos rapidamente pelo porte das operações.

Mesmo assim, pensando no longo prazo e nos espaços que ainda tem para preencher, o investimento mais pesado nesses novos mercados faz sentido. Para Serena Jian, analista de Estratégia Corporativa da Euromonitor, o consumo doméstico vai aumentar na mesma medida em que a renda discricionária, aquela não dedicada a cobrir os custos básicos como alimentação e aluguel, por exemplo,  da população desses países aumenta. “Esses novos mercados serão amanhã o que os BRICs são hoje”, acredita a executiva.

E quem sair na frente ao olhar com mais atenção e foco esses novos mercados pode se dar muito bem, já que existem menos players globais atuando com força em muitos desses mercados. Até porque, além de representarem novas fontes de crescimento rápido, a maior presença nesse grupo de nações vai diminuir a dependência das empresas globais do crescimento dos BRICs.

Marcas globais, produtos adaptados
Alguns dos mercados das novas fronteiras podem ser considerados investimentos de risco relativamente alto. Mas como a economia global deve demorar para retornar aos trilhos do crescimento, assumir riscos passa a ser um pilar central da estratégia para as empresas globais manterem as suas bases de crescimento.
Além dos riscos naturais, a necessidade de adaptação a mercados tão distintos também configura um enorme desafio para as corporações como a L’Oréal. Em entrevista a revista Beauty Inc., no final do último ano, Agon expôs a estratégia de universalização da companhia francesa. O movimento – que para o executivo é um passo além da globalização – envolve a construção de marcas globais, com valores comuns em todo o planeta, mas com o desenvolvimento de produtos adaptados a realidade fisiológica e mercadológica de cada país ou região.

A análise da Euromonitor vai na mesma linha. Para a consultoria, o uso de marcas globais é uma estratégia importante para aumentar o reconhecimento das mesmas em novos mercados. No entanto, as inovações em produtos adaptadas para atender as diferenças culturais de cada mercado é essencial, a fim de maximizar a aceitação dos consumidores e assegurar vendas fortes e lucros. “A adaptação cultural é importante para qualquer player global, e eles estarão muito menos preparados para conquistar espaço sem um profundo conhecimento dos mercados locais”, revela Serena Jian.

O desafio é vencer a enormidade de diferenças culturais que existe entre os mercados emergentes, muitas vezes, dentro de um mesmo país. Outro ponto que torna o trabalho das empresas globais mais difícil nos mercados emergentes é a disparidade econômica entre os consumidores dos mesmos mercados.

Mas, lidar com essas discrepâncias abre enormes oportunidades de inovação em produtos, e possibilidades de diversificação do portfólio, o que, para a Euromonitor, vai ajudar as companhias a ampliarem a sua base de consumidores, criando marcas e linhas para atender uma faixa mais ampla de preços, com o objetivo de ter apelo entre consumidores de alta e baixa renda. Nesse ponto – e muito particularmente nos mercados menores, como a maioria dos que fazem parte do novo grupo de emergentes –, as companhias globais tendem a enfrentar um verdadeiro dilema. Oferecer uma diversidade de opções de produtos para atender a tantos gostos diferentes, vai diretamente contra uma questão-chave e persistente para as empresas globais, que diz respeito justamente a maximizar a eficiência operacional e ganhar com a economia de escala. Achar o equilíbrio entre um e outro ponto certamente não será tarefa fácil.

A chance dos nativos
A dificuldade de adaptação aos gostos locais – não vencida totalmente em mercados maiores como o brasileiro, por exemplo –, somada a presença de um número menor de grandes marcas internacionais, dão as empresas locais de países como México, Tailândia, Indonésia, Irã e Turquia algumas oportunidades para se fortalecerem em seus países de origem.

Apesar de muitas multinacionais terem presença estabelecida nesses novos mercados, a competição é pesada na maioria das categorias. Segundo a pesquisa, as empresas locais são rápidas para responder as demandas dos consumidores locais e são ousadas em termos de inovação de produtos para se manterem, elas mesmas, em dia com as tendências do mercado. Só que daqui para a frente, a vida delas deve ficar, para o bem ou para o mal, gradativamente mais difícil.

“Existe um grande número de empresas locais nos mercados emergentes. Mas, por causa da sua capacidade limitada de produção e investimentos em marketing, elas tendem a ser ofuscadas pelas marcas internacionais”, diz a analista da Euromonitor. Entretanto, segundo Serena, o potencial de crescimento futuro pode fortalecer tanto as empresas locais como as globais, dependendo, é claro, da percepção que o consumidor terá de cada marca e das estratégias das empresas em cada mercado.

Oportunidades para o brasil
Menores e menos “povoados”, será que os mercados das novas fonteiras podem ser uma boa porta de entrada para a internacionalização de empresas menores, inclusive as brasileiras? Serena Jian acredita que não. Para ela, essa é uma questão que tem mais a ver com políticas governamentais e com as regulações e o ambiente para fazer negócios internacionais. Mas, faz um alerta: “As empresas menores podem não ter a capacidade ou a experiência das grandes empresas internacionais para entrar e m novos mercados”, pontua.

Ao mesmo tempo, é possível que mercados emergentes maiores tenham preponderância sobre mercados emergentes menores, com algum grau de similaridade, trazendo-os para dentro da esfera de influência de um membro do BRIC, por exemplo. Nesse cenário, o Brasil pode se beneficiar amplamente. Dos nove países que integram as novas fronteiras, três estão na América Latina. Quem sabe – e aqui, com alguma prepotência de cidadão de “país grande” – o Brasil poderá fazer de México, Argentina e Colômbia, seus mercados satélites?

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